Márcia Gutierrez [1]
Durante o ano nosso calendário marca diversas datas que utilizamos de maneira comemorativa, na qual celebramos seja com uma festa, um ato de responsabilidade social ou um jantar em família. Marcamos no tempo aquilo que nos torna parte de uma tradição em comum, e dentre essas festividades está o Natal, celebrado no dia 25 de dezembro e uma das datas mais aguardadas durante o ano. Próximo a ele figuras como Renas, Papais-noéis, Bonecos de Neve, etc. Estão presentes a todo o momento nas decorações das casas e estabelecimentos comerciais, porém para toda a tradição que hoje conhecemos houve uma base para sua criação, e trata-se do Yule, que anacronicamente é chamado de “O natal dos Vikings”, porém esta festividade não está relacionada ao Natal apenas teria inspirado parte do processo de criação da data como conhecemos hoje, assim como alguns aspectos do calendário nórdico da Era Viking, como a definição dos dias da semana, e os meses por estações do ano. Neste trabalho destrincho como era o processo de organização do tempo na Escandinávia da Era Viking, os principais feriados e comemorações do calendário nórdico desse período, e principalmente os detalhes por trás do Yule, bem como das visões modernas que se tem sobre o mesmo.
Introdução
Um dos quesitos mais importantes das sociedades em todo o mundo, foi a capacidade de criar formas de organização do tempo. Mais precisamente o funcionamento dos ciclos anuais marcados por mudanças e permanências de acordo com as necessidades de cada indivíduo ou sociedade.
Dentre as características marcantes deste tempo em estudo, estão as datas específicas de celebrações ao longo do ano. Nas regiões da Escandinávia na Era Viking, o tempo foi um elemento essencial para os nórdicos daquele período, um importante alheado das questões que envolvem o cotidiano e os aspectos socioculturais dos mesmos.
Atividades Ligadas ao plantio e cultivos de alimentos, bem como as de cunho religioso e ritualístico, são alguns desses exemplos de um uso perspicaz do tempo naquela sociedade. Um outro fator que também influenciava o cotidiano era o clima, que era visto apenas pelo viés de duas estações durante ano: o verão e o inverno (HISTÓRIA MEDIEVAL, 2021).
O Calendário Nórdico, A Roda do Ano:
O calendário na Era Viking foi encontrado com diversas configurações em diversas áreas da Europa, seguindo as rotas das expedições realizadas pelos nórdicos naquele período, porém não há muitos registros com informações o suficientes para sabermos como de fato ele funcionava. Os que foram encontrados possuem uma forte influência cristã.
Mas algumas descobertas arqueológicas revelam inspiração á celebrações pagãs de séculos anteriores á Era Viking, como no caso do calendário Islandês que foi utilizado nesses moldes até o século XVIII, podendo revelar também um referencial ao modelo de organização do tempo de alguns povos germânicos.
Diferente do calendário gregoriano dos tempos atuais o ano foi dividido em duas estações, sendo elas o verão e o inverno, além do referencial solar os nórdicos utilizaram as fases da lua, mais precisamente de lua nova até a próxima lua nova, ou de lua cheia até a próxima lua cheia, o ano era dividido em 12 meses de 30 dias e 4 dias adicionais a cada 4 verões, chamados de Sumarauki, para se contabilizar os casos de ano bissexto (LANGER, 125-131), Veja o esquema da figura 1.
Tanto os solstícios quanto equinócios serviram para a realização de previsões referentes ao clima, fator essencial nas atividades da agricultura e lavoura das terras.
Obs: Cada mês no calendário nórdico sempre começava nos dias da semana, esses dias foram organizados de acordo com as principais divindades do panteão nórdico e inspiraram os nomes dos dias da semana na atual língua inglesa (LIVROS VIKINGS, 2020):
MANDANG (Segunda-Feira): Dia do deus da lua Máni;
TIRSDAY (Terça-Feira): Dia do deus da guerra Tyr;
ONSDAG (Quarta-Feira): Dia do deus Odin, líder dos Aesir;
TORSDAG (Quinta-Feira): Dia do deus do trovão Thor;
FREDAG (Sexta-Feira): Dia da deusa da fertilidade,Frigg
SØNDAG (Domingo): Dia da deusa Sol, irmã de Máni;
A divisão de meses pelas estações e seus correspondentes nomes (TIME NOMADS, 2021):
Náttleysi - (Meses de Verão também chamados de dias sem noite):
HARPA - meados de abril a meados de maio;
SKERPLA - meados de maio a meados de junho;
SÓLMÁNUÐUR - meados de junho a meados de julho;
HEYANNIR - meados de julho a meados de agosto;
TVÍMÁNUÐUR - meados de agosto a meados de setembro;
HAUSTMÁNUÐUR - meados de setembro a meados de outubro [2];
SKAMMDEGI - (Dias de inverno ou dias curtos):
GORMÁNUÐUR - meados de outubro a meados de novembro, mês também do abate de animais;
ÝLIR - meados de novembro a meados de dezembro, celebração do Yule;
MÖRSUGUR - meados de dezembro a janeiro, período de sucção de gordura animal;
ÞORRI - meados de janeiro a meados de fevereiro, considerado o período mais frio do ano;
GÓA - meados de fevereiro a meados de março.
EINMÁNUÐU - meados de março a meados de abril, considerado um único mês e o último do ciclo anual;
O Calendário Rúnico Norueguês de Worm:
Descrito na obra Frasci Danici do antiquário dinamarquês Ole Worminus, no ano de 1643, trata-se de um desenho que mostra um calendário com a temporada de inverno do período de 14 de outubro á 13 de abril, a temporada de verão na parte de trás do pingente nunca chegou a ser desenhada, e tanto o calendário em forma de pingente feito provavelmente de osso de baleia quanto o desenho original, encontram-se perdidos (THORNEWS, 2015).
Porém não há provas de que os calendários rúnicos eram do período da Era Viking, o calendário rúnico mais antigo já registrado remonta do livro “Historia de Gentibus Septentrionalibus”- Uma descriação dos povos do norte, de 1555 escrito pelo catográfo sueco Olaus Magnus, nele é descrito um calendário rúnico de um pergaminho da ilha de Gotland do ano de 1328 e que hoje encontra-se somente representado nas ilustrações feitas por Ole Worminus, a peça original não resistiu ao incêndio em Copenhagen no ano 1728 (KIMPIERRI, 2020).
Os calendários rúnicos teriam sido na verdade inspirados em calendários de igrejas cristãs da época, que seguiam um círculo lunar para encontrar os feriados cristãos fixos e móveis como no caso da Páscoa, portanto acredita-se que o calendário rúnico remonta do século XVIII, já muito depois da Era Viking (KIMPIERRI, 2020).
Todo o processo de como teria sido o tempo na Era Viking deve-se levar em conta o fator de simulação de um estudo arqueológico e acadêmico, pois não temos registros e evidências o suficiente que confirmem como era de fato naquele período o uso do tempo, apenas suposições mediante ao estudo do cotidiano do nórdicos na Era Viking, e interpretações dos materiais coletados e escritos que foram fortemente influenciados pelo cristianismo, e também de supostos materiais coletados como o calendário de Worm.
O Yule
Era uma festividade associada á “caçada selvagem” e a Odin e é visto como prodecessor do natal, porém chamado equivocadamente de o “natal viking”. Também conhecido como Jól, o Yule possuí mais interpretações modernas do que da possível época de sua origem de fato. O festival era feito para celebrar o solstício de inverno.
A primeira vez que foi documentado foi pelo monge historiador inglês Bede, no ano de 720 d.c, notando similaridade entre os feriados britânicos pagãos, anglo saxões e vikings, todos coincidindo com meses romanos (dezembro e janeiro). Outros documentos como o texto da Edda em prosa, Skáldskaparmál [3] e a Saga de Haakon o bom, feita em homenagem ao rei Hakon I da Noruega que governou de 934.dc até 961 d.c, citam as tradições do Yule, mas ambos os documentos são de períodos da Escandinávia cristã (VILAR, 2019).
A celebração do Yule segundo os pesquisadores era tido como um renascimento pelos longos dias de sol que retornaram, porém no século XIX os pesquisadores o definiam como “ uma tradição natalina da era viking que eram realizadas até hoje” criando uma espécie de anacronismo, pois o Yule apenas inspirou parte de figuras natalinas atuais mas não era uma tradição natalina. Principalmente a figura de Odin, que possuía como um de seus nomes, Jólnir.
Nos períodos que antecediam o festival eram realizados sacrifícios de animais, para apaziguar os Draugar, seres que haviam morrido mas continuam a vagar pela terra, e não há provas quanto a sacrifícios humanos, como era acreditado pelos pesquisadores do séc.XIX. Havia um momento de reverência as árvores de Yule que se assemelha a árvore de pinheiro, uma grande fogueira era acesa acompanhada de canções e danças bem como de um banquete. Dentro das casas havia a montagem das árvores de Yule que eram preenchidas com pedaços de frutos, sementes e outros alimentos, além do uso de estatuas de divindades e fitas de tecido.
A origem do Yule também teria vindo do sacrífico de um javali ao Deus Frey e sua irmã Freya, e possui a menção no poema de Beowulf, no momento em que o mesmo revela ter matado Grendel em uma cerimônia, mas não passam de suposições bem como de como era feito o Yule de fato.
Figuras como renas, papai noel, elfos, etc. Também teriam saído em partes do Yule, como por exemplo a árvore de natal, teria sido baseada no tronco de Yule, o papai-noel a figura de Odin, os elfos seres da mitologia nórdica e que estariam vagando nesse período pela terra, os gnomos que decoram as casas na atualidade, também teriam saído da figura dos Nisse do folclore escandinavo e as renas do bode de Yule ou Jullbock, citado no epíteto do senhor dos bodes cuja figura possuí dois caprinos chamados Tanngrisnir e Tanngnjóstr que puxavam sua carroça e por coincidência se assemelha ao trenó do Papai Noel . Bem como na criação mais antiga do séc. XVII em que se refere ao Raaegit, uma cabeça de bode em um mastro na Noruega (MIRANDA, 2017).
Além destes exemplos, alguns hábitos natalinos se assemelham há alguns costumes folclóricos da Escandinávia, reproduzidos até os dias de hoje. como o hábito de colocar mingau para os Nisses na véspera de natal é muito semelhante ao hábito de colocar biscoitos e um copo de leite para o papai noel, e também hábitos de caráter punitivo para crianças com mau comportamento, como na a figura da Gryla que passou a devorar crianças desobedientes a partir do séc.XII no período natalino, já em nosso natal refere-se as crianças de mau comportamento que papai noel possui uma lista daqueles que merecem ou não receber presentes, se mostrarem bom comportamento durante o ano todo, receberão suas recompensas.
O Yule Atualmente, de Tradição da Era Viking á Concepções Neopagãs
O Yule agora se renovou para as tradições neopagãs na Europa e América do Norte e celebra a natureza, a estações, as estrelas e a acenstralidade. E adaptou algumas das antigas tradições do Yule original, o que costuma causar uma certa confusão em quem não conhece muito sobre o assunto, acreditando que o atual Yule é o mesmo do anterior, pois também as fontes para o Yule da Era Viking não são de sua maioria do período de fato.
O sabbat de Yule também chamado de Yuletide, agora segue um processo de ritualístico de cores, bebidas comidas, temperos, símbolos, incensos, cristais, plantas, animais, etc. Para determinados objetivos específicos e conta com atividades decorativas e de adoração as divindades do panteão nórdico, possuído algumas similaridades ao Yule nórdico da Era Viking mas transportados para o tempo atual.
O Yule na concepção Heathen também utiliza o início no dia 20 de dezembro e o término no dia 1 de janeiro, e é tido como o mais importante feriado nórdico, com duração de 12 noites, é a época mais escura do ano, e representa o começo e o término de todas as coisas, os mortos se juntam aos vivos para celebrar um banquete, assim como outras criaturas míticas estão a percorrer nessa época do ano, e também celebra o solstício de inverno.
Outros Feriados Comemorativos - (Calendário da Era Viking x Calendário Heathen)
O calendário nórdico da Era Viking possuiu diversas festividades, porém não há registros mais detalhados sobre cada um deles, sendo uma das poucas fontes os manuscritos do período medieval, e alguns destes festivais foram recriados á partir de fontes como as Sagas e a roda Wiccana do ano (TIME NOMADS, 2021).
São eles:
ÞORRABLOT - dia dos maridos uma celebração aos maridos e pais;
GÓUBLÓT - dia das mulheres, mães e esposas, e o fim do inverno;
SIGRBLÓT - o primeiro dia de verão, a luta da luz sobre as trevas, dia de oferta a deusa Freya;
MIDSOMMAR - meio de verão na tradução, celebração da luz, da fertilidade e da música;
ALFARBLÓT—primeiro dia de inverno, fim da colheita do ano;
DÍSABLÓT-homenagem aos Disir (espíritos de proteção e fertilidade), as deusas, ancestrais e a todas as figuras femininas do universo mítico nórdico;
O calendário Heathen [4] foi criado em 1975 por Steve A. Mcnallen, fundador da Asatru Folk
Assembly (AFA), utilizando a Roda Wiccana [5] como inspiração e os nomes nórdicos das celebrações do norte da Europa, que foram fortemente influenciadas pelo cristianismo naquele momento.
DISABLOT - celebrado em 2 de fevereiro, associado a novos começos e a preparação da terra para o plantio;
OSTARA - celebrado em 21 de março, associado ao rejuvenescimento da terra,a fertilidade e do crescimento;
WALPURGISNACHT - celebrado em 30 de abril, associado a deusa Freya e seu irmão Frey, ao amor e a chegada da primavera;
MIDSUMMARBLOT - celebrado em 21 de junho,realizado para marcar o solstício de verão, com música tradicional e queimas de bonecos feitos de palha de milho.
FREYSBLOT - celebrado em 1 de agosto, ação de graças pela primeira colheita de frutos do ano, assa-se um pedaço de pão como oferenda ao deus Frey.
HAUSTBLOT - celebrado em 23 de setembro, homenagem à segunda colheita do ano, visto como uma momento para refletirmos sobre o que alcançamos e mostrar gratidão pelo que a terra nos deu;
VETRNAETR - celebrado em 31 de outubro, o fim da safra e início do período de caça, á noite é o momento de refletir sobre os ancestrais, e homenageá-los assim como a deusa Hela;
Conclusão
Muito do que se sabe sobre o Yule e as antigas tradições na Era Viking provém de fontes que nos deixam mais perguntas do que respostas, não há uma gama elevada de informações da Era Viking sobre essas comemorações, a maioria delas foi ressignificada pelos movimentos adeptos ao Neopaganismo bem como são relembradas por alguns países do norte da Europa no período do natal, como forma de preservação cultural dos custumes antigos. Há muitos estudos há serem desenvolvidos para á compreensão destas festividades e infelizmente parte do material que se tinha sobre os calendários daquele período ainda encontra-se perdida sobrando apenas os de conteúdo fortemente influenciado pelo cristianismo.
[1] Graduada em História pela Universidade da Amazônia, Belém (2020). Dedica-se ao estudo e pesquisa nas áreas de Escandinavística, Música e Ilustração. E-mail: marcia515.mh@gmail.com
[2] Mês mais importante desse período, pois é o mês da colheita e preparação para o inverno, https://www.timenomads.com/the-norse-wheel-of-the-year-viking-calendar-holidays/.
[3] É a segunda parte da Edda em prosa e mostra o dialogo entre o Deus Aegir, deus dos mares, e Bragi deus da poesia, https://asatruar.org/skaldskaparmal-linguagem-da-poesia/.
[4] Hethenismo, ou chamado Etenismo tribal é um movimento neopagão que busca recriar as tradições do paganismo germânico, não é um movimento de sinônimo para outras religiões, sendo muito confundido com outras vertentes neopãs, como a Asatrú e o Odinismo; https://www1.unicap.br/observatorio2/?p=4660
[5] A Wicca é uma religião neopagã fundada pelo inglês Gerald Gardner, tendo como base as divindades da deusa Mãe e Cernunnos, e também divindades de outras religiões da Europa Ocidental,anteriores ao cristianismo, como a nórdica https://www.todamateria.com.br/wicca/.
Fonte - LANGER, Johnni. Calendário e Contagem do Tempo. In: LANGER, Johnni (Ed.) Dicionário de história e cultura da Era Viking. São Paulo: Hedra, 2018, pág. 125-131.
Fonte Online
KIMPIERRI. Was the rune calendar from The Viking age? 2020, Disponível em: https://www.heathen.dk/2020/07/06/was-the-rune-calendar-from-the-viking-age/.
MEDIEVAL, História. Como o tempo governava os Vikings? 2021, Disponível em: https://www.historiamedieval.com.br/post/como-o-tempo-governava-os-vikings#:~:text=Com%20longos%20invernos%20e%20muito,em%20habilidade%20quanto%20em%20divers%C3%A3o.
MIRANDA, Pablo Gomes de. O Bode de Natal na Tradição Escandinava. 2017, Disponível em: http://neve2012.blogspot.com/2017/12/o-bode-de-natal-na-tradicao-escandinava.html.
NOMADS, Time. The Norse Wheel of the Year: The Norse Calendar & Holidays.2021, Disponível em: https://www.timenomads.com/the-norse-wheel-of-the-year-viking-calendar-holidays/.
THORNEWS. The Viking Calendar. 2015, Disponível em: https://thornews.com/2015/09/27/the-viking-calendar/.
VIKINGS, Livro. Os deuses nórdicos e os dias Vikings da semana. 2020, Disponível em: https://www.livrosvikings.com.br/post/os-deuses-nordicos-e-os-dias-vikings-da-semana.
VILAR, LEANDRO. O bode de Yule e os festejos natalinos escandinavos.2019, Disponível em: https://seguindopassoshistoria.blogspot.com/2019/12/o-bode-de-yule-e-os-festejos-natalinos.html.
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