Há uma série de monarcas ao longo da história que acreditam-se terem sido gays. Ricardo Coração de Leão e Felipe II são apenas alguns que levaram a fama de aparentemente preferirem ter um relacionamento com um homem do que produzir um herdeiro. No entanto, embora Ricardo tenha sido tratado como uma espécie de ícone gay por anos, as evidências diretas de que ele e Felipe realmente tiveram uma relação homossexual são extremamente escassas.
Uma das obras mais famosas que retratam o monarca com tendências homoafetivas é a famoso filme "The Lion in Winter". Mas quais motivos levaram o diretor a retrata-lo dessa forma? Podemos afirmar, que assim como Eduardo II, ele era de fato gay?
Fazendo uma pequena pesquisa, descobri que ninguém tinha debatido a sério a ideia de que Ricardo Coração de Leão era homossexual até a metade do século XX. A partir desse momento, a teoria de sua nova opção sexual fora feita com base nestes três pontos:
Ele não teve filhos (com exceção de um possível filho ilegítimo); Ele não parecia muito interessado em se casar (visto que praticamente abandonou sua esposa Berengaria logo após o casamento); Ele teve uma relação muito próxima com o rei Felipe II da França, chegando até mesmo a compartilharem a mesma cama.
Quando eu vi esses três pontos, eu tentei expandir minhas pesquisas sobre cada um dos tópicos, para ver se eram congruentes. Então pesquisei um pouco mais...
O primeiro fato, que Ricardo não teve filhos, não é lá muito explicativo. Não é preciso ser um gênio para pensar em outras razões para não ter filhos do que ser homossexual. E, no mundo medieval, um rei gay provavelmente também teria sido casado (com uma mulher), e teria sim tido filhos (os reis Eduardo II e James I vêm à mente), porque não importavam as suas inclinações sexuais: produzir um herdeiro e preservar a sucessão dinástica era primordial.
A segunda afirmação, que Ricardo não era muito interessado em casamento ou em Berengaria, pode ser considerada incorreta se tivermos como base a historiadora e escritora Sharon Kay Penman. Em uma entrevista com o Novel Historical Society, Penman disse:
Outro mito é que Ricardo estava relutante em se casar com Berengaria e que Eleanor teve que empurrá-lo para ela; uma vez que ele foi realmente o único que negociou o casamento com o pai da noiva .... Fiquei surpresa ao descobrir que Ricardo inclusive enfrentou alguns problemas para tê-la com ele durante sua jornada na Terra Santa.
Embora o casamento não parece ter sido uma das maiores histórias de amor, não há nenhuma evidência de "relutância em se casar" da parte de Ricardo, um dos fato que tem sido utilizado para reforçar o argumento a favor de sua homossexualidade.
A última evidencia usada para provar a sexualidade de Ricardo é o seu relacionamento com o rei francês Filipe Augusto. Um dos trechos mais pertinentes de fonte primária diz:
Ricardo, [então] duque de Aquitânia, o filho do rei da Inglaterra, manteve-se com Filipe, o rei da França, que honrou-o por tanto tempo que eles comeram todos os dias à mesma mesa e do mesmo prato, e a noite suas camas não se separaram. O rei da França o amara como à sua própria alma; e eles se adoraram tanto que o rei da Inglaterra (pai de Ricardo) ficou absolutamente espantado e incrédulo pelo amor apaixonado entre eles.
Então, você lê isso. "E a noite suas camas não se separaram". Mas será que este texto dá uma conotação homossexual para Ricardo e Felipe compartilharem a cama? Na verdade, não. Parece ser apenas uma outra maneira que o monarca francês estava honrando o inglês. Embora o seu namorado provavelmente se oporia a dormir na cama com outro homem até então desconhecido, devemos lembrar que na Idade Média, os homens (sim, os homens heterossexuais) usavam camas compartilhadas o tempo todo.
Certamente, entre as classes mais baixas, o "co-leito" entre as famílias acontecia o tempo todo, como uma maneira de manter a cama quente, ou simplesmente por não possuírem ou não terem espaço para mais uma. Partilhar a cama era uma questão de necessidade. Não havia nada inerentemente sexual sobre isso: a maioria fazia.
Ricardo Coração de Leão também era conhecido por realizar reuniões políticas em seu quarto, recompensando seus servos favoritos com a oportunidade de dormirem no pé da sua cama à noite. Novamente, não há nenhuma evidência para sugerir que algo mais do que dormir ocorreu nessas ocasiões. Ele compartilhava a cama com os outros para simbolizar confiança.
Nos últimos anos, líderes políticos muitas vezes cumprimentavam uns aos outros com "o beijo da paz", que foi biblicamente sancionado. Mais uma vez, o beijo significava nada mais do que um aperto de mão nos dias de hoje.
Na verdade, Ricardo estava noivo de Alice, a irmã de Felipe. No entanto, ele a acabou renunciando e espalhando um boato de que ela estava tendo um caso e havia dado à luz a um filho ilegítimo. Ricardo também se casou com sua esposa, Berengária de Navarra, enquanto ainda estava prometido em casamento a irmã de Felipe. Não são lá coisas que uma pessoa deve-se fazer com a irmã de alguém que ama.
No caso de Ricardo e Felipe, as declarações de amor entre eles eram uma declaração política. Os dois tinham que se unir para derrubar Henrique II, e aquilo era uma forma de anunciar ao mundo que a França e o príncipe inglês eram aliados.
Alguns interpretaram este texto em que o pai de Ricardo, Henrique está chateado com a estranha relação que envolvia seu filho e o rei da França. A frase mostra claramente que ele está insatisfeito, mas não parece ser um medo de atividade homossexual e sim de um de seus herdeiros fazer amizade com o inimigo de longa data da Inglaterra.
A julgar esta citação para os padrões da época em que fora escrita, eu acho que é justo dizer que o autor não faz nenhuma implicação, velada ou não, de relações homossexuais entre Ricardo e Felipe.
Era então um dos maiores heróis da historia inglesa, homossexual? Não há nenhuma indicação direta que afirme nenhuma paixão relacionada ao rei, exceto a pela ambição em constituir uma Inglaterra fora dos arreios de seu pai.
Fonte - Rosanne E. Lortz,I Serve: A Novel of the Black Prince
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