A INQUISIÇÃO MATOU MILHÕES?
top of page
Foto do escritorHistória Medieval

A INQUISIÇÃO MATOU MILHÕES?

Atualizado: 2 de abr.


O grande inquisidor espanhol, Tomas de Torquemada (1420-1498), entre os reis católicos Fernando II e Isabel I de Castela (Jean Paul (after) Laurens Private Collection / bridgemanimages.com)
O grande inquisidor espanhol, Tomas de Torquemada (1420-1498), entre os reis católicos Fernando II e Isabel I de Castela (Jean Paul (after) Laurens Private Collection / bridgemanimages.com)


Estava eu acompanhando uma Live de uma página que aborda temas de história, e o tema do dia seria a Santa Inquisição, achei um assunto muito interessante, ate pelo fato do mesmo ser pouco abordado em lives, a mesma começou pontualmente ás 19:00, e em certo momento a pessoa que presidia o tema disse:


"A Inquisição, feita pela Igreja Católica, caçou, torturou e matou cerca de 50 milhões de pessoas na Idade Média e ainda é possível afirmar que os números podem chegar próximo de 70 milhões!"

Esses eram números alegados bastante fantásticos (para dizer o mínimo e caridosamente), visto que toda a população da Europa em seu auge na Idade Média é considerada pelos estudiosos em talvez 100 ou 120 milhões. Isso significaria que a Igreja matou tantas pessoas quanto a Peste Negra (Peste Bubônica), que eliminou cerca de um terço a metade da população.


Ao final da Live foi aberta as caixinhas de perguntas, e eu claro, não poderia deixar de questionar o óbvio, e enviei a seguinte pergunta:


“Qual o nome de historiadores respeitáveis ​​que afirmam sobre esses milhões de mortos?”

E não surpreso, a resposta foi:


Isso é de um artigo que se encontra disponível na internet, não vou conseguiu localizar agora, mas o autor é David A. Plaisted

Davia A. Plaisted, é entretanto um professor de ciência da computação, não um historiador acadêmico.


Bom, após esse belo ocorrido, decidi escrever um artigo para explicar e esclarecer algumas coisas, principalmente esses milhões de mortos, e para iniciar esse artigo, separei dois Trabalhos de dois Historiadores (não-católicos), e mais a diante, citarei outros para fins de entender o contexto da época, vejamos então:


  • Edward Peters, da Universidade da Pensilvânia, é o autor de Inquisition (Berkeley: University of California Press, 1989).


  • Henry Kamen, membro da Royal Historical Society e professor da Universidade de Wisconsin – autor de The Spanish Inquisition: A Historical Revision (New Haven: Yale University Press, 1998).


Esses dois livros estão na vanguarda de uma perspectiva emergente e muito diferente sobre a Inquisição (Na verdade, houve várias Inquisições): Um entendimento de que eles eram exponencialmente menos inclinados a emitir penas de morte do que se supunha anteriormente, e também bastante diferentes em caráter e até em essência do que o antiquário de longa data. -Estereótipos católicos nos fazem acreditar.


Na página 87 de seu livro, o Dr. Peters declara:


“A melhor estimativa é que cerca de 3.000 sentenças de morte foram executadas na Espanha por veredicto da Inquisição entre 1550 e 1800, um número muito menor do que em tribunais seculares comparáveis.”

Da mesma forma, o Dr. Kamen afirma em seu livro:


Levando em conta todos os tribunais da Espanha até cerca de 1530, é improvável que mais de duas mil pessoas tenham sido executadas por heresia pela Inquisição. (pág. 60)
. . . é claro que, durante a maior parte de sua existência, a Inquisição estava longe de ser um rolo compressor da morte, tanto em intenção quanto em capacidade. . . . parece que, durante os séculos XVI e XVII, menos de três pessoas por ano eram executadas em toda a monarquia espanhola, da Sicília ao Peru, certamente uma taxa menor do que em qualquer tribunal provincial de justiça na Espanha ou em qualquer outro lugar da Europa. (pág. 203)

Enormes mitos obviamente abundam. Mas isso significa que eu “defendo” a pena capital por heresia, ou que todos os católicos deveriam? Não! Mas, no entanto, acho que também é extremamente importante entender de maneira adequada e precisa as Inquisições no contexto de seus tempos (a Idade Média e os primeiros períodos modernos).


Naquela época, quase todos os cristãos (não apenas católicos; menos apenas alguns pequenos grupos como anabatistas e quacres) acreditavam tanto na punição corporal quanto na pena capital por heresia, porque pensavam que a heresia era muito mais perigosa para uma pessoa e para a sociedade do que a doença física. A premissa deles foi, pelo menos, estava exatamente correta (PARA A ÉPOCA!).


No que diz respeito: A heresia pode levar alguém ao inferno; nenhuma doença poderia fazer isso. Como lidar com a heresia é uma questão separada e muito complexa.


Na Idade Média, toda heresia era considerada obstinação e má-fé; má vontade, etc. A Igreja hoje adota uma abordagem muito mais matizada psicologicamente: muita heresia é (erroneamente) acreditada em boa fé; portanto, o adepto é menos culpado e inocente o suficiente para ser punido. Também aprendemos que a coerção é inútil. Essa era a posição cristã original, de qualquer forma (antes que a heresia se envolvesse na desordem civil, como nos casos dos donatistas, monofisitas, arianos e albigenses, entre outros).


Seja como for, alguns desinformados, exercem um duplo padrão gritante ao condenar apenas a Igreja Católica por se engajar nessa prática, e exagerando grotescamente ao postular números ridículos; até mesmo alistando desesperadamente não-historiadores para reforçar seus pontos de vista desinformados.


Em resposta, deve-se notar que os protestantes (incluindo Lutero, Calvino, os primeiros protestantes ingleses, Zwinglio, Melanchthon e demais) também têm uma longa e preocupante lista de “escândalos” e “inquisições”. Como apenas um exemplo entre muitos, Martinho Lutero e João Calvino sancionaram a execução de anabatistas devido à sua crença no batismo de adultos, que eles consideravam “sedição”. Milhares de católicos na Inglaterra e na Irlanda foram executados (muitas vezes de maneira muito hedionda) simplesmente por serem católicos.


Assim, fica claro que a noção da pena de morte por heresia foi em grande parte um produto da Idade Média, e os protestantes que vieram no final desse período, em sua maioria, não discordaram dela. De fato, a execução de reputadas “bruxas” foi quase inteiramente um fenômeno protestante (sendo o mais famoso o caso das Bruxas de Salém). Ignorar totalmente esses fatos, enquanto condena a Igreja Católica, é se envolver em revisionismo histórico um quanto vago por assim dizer.


Como eu sempre digo nas minhas aulas, quando falamos sobre Inquisição, a primeira coisa que devemos fixar é que ela é um TRIBUNAL e não uma "Carreta Furacão" que onde passa leva 30 pessoas, esse é o primeiro erro que muitos cometem ao tratar sobre o assunto (sem contar as torturas como Dama de Ferro, Berço de Judas, Pêra entre outros que são mais invenções sem comprovação que sustente a verdade!)


É inegável a atuação da Inquisição, assim como os julgamentos, qualquer contraposição é uma aberração, um erro GROTESCO DE HISTÓRIA. A crítica veiculada neste texto é dirigida aos números de mortes e incidentes referentes aos cerca de 386 anos de atuação deste Tribunal Eclesiástico.


Certamente vai surgir o intelectual de prédio, ou a neta de "bruxa" com os dizeres


"Os números não importam, o que importa é que ela torturou e matou!”.

Mas a questão é que nesta situação os números representam o maior pretexto e fonte de contradições sobre esta temática, pois tendem a alimentar e propagar a ideia de uma tragédia histórica, sem controle, um crime, um perverso e criminoso ato, perpetrado pela Igreja contra a humanidade.


Não levando em conta os fatores, o contexto e as posições religiosas da época seria correto colaborar com estas argumentações e afirmações? Teria sido uma ferramenta de perseguição e extermínio de quem ousava pensar diferente? Ou trata-se de posições subjectivas oriundas do homem contemporâneo?


Vale a pena salientar que estas sociedades estavam claramente ligadas ao bem e ‘alegria social’ (Pernoud, 1997) e à religião “em função da fé cristã” (Daniel Rops, Vol. III. p. 43). Tinham como ferramentas de prevenção a condenação de grupo ou do indivíduo, para evitar a contaminação de confusões e divisões que ruíam ‘todo o sistema e ordem social da época’ (Gonzaga, 1994) além de evitar a propagação de heresias e divisões entre os fieis na Cristandade. Sendo assim, os códigos penais abraçavam e previam comumente a tortura e a morte do réu. E o povo entendia que estes eram os princípios jurídicos que evitavam a expansão de cismas e heresias.


Mas seriam verdadeiros estes dados sobre a Inquisição? Ou é maquinação de certos grupos tiraram proveito não só da Inquisição ou das Cruzadas, centrando-se também nos erros e falhas morais de alguns clérigos e fazer disso, como disse o historiador W. Devivier, S.J:


"Um cavalo de batalha na sua guerra contra a religião e para perpetuamente as lançar à cara da Igreja”.

Como aponta Hilaire Belloc


Um fato é que “é da natureza da Igreja provocar ira e ataque do mundo”

A principal finalidade do artigo não é amenizar os efeitos da Instituição ou fazê-la mais branda, mas trazer à tona os fatos e verdadeiros números da referida instituição, cujos estudiosos sérios testemunham para que possamos construir uma justa interpretação do tema.


Vamos tomar como referência as Atas do Grande Simpósio Internacional sobre a Inquisição, em que participaram 30 grandes historiadores vindos de diversas confissões religiosas, para tratar historicamente da Inquisição, proposta motivada pela Igreja. O Papa João Paulo II afirmou certa vez:


“Na opinião do público, a imagem da Inquisição representa praticamente o símbolo do escândalo”.

E perguntou:


“Até que ponto essa imagem é fiel à realidade?”

O encontro realizou-se entre os dias 29 e 31 de Outubro de 1998. Com total abertura dos arquivos da Congregação do Santo Oficio e da Congregação do Índice. As Atas deste Simpósio, foram anos depois reunidas e apresentadas ao público, sob forma de livro contendo 783 paginas, intitulado originalmente de “L’Inquisione” pelo historiador Agostinho Borromeo, professor da Universidade de La Sapienza de Roma.


As atas documentais do Simpósio já foram utilizadas em várias obras de historiadores, e continuam a ser pois tais documentos resultaram duma profunda pesquisa sobre os dados de processos inquisitórias.


As afirmações seguintes foram feitas pelo historiador Agostinho Borromeo.


Sobre a “Famigerada e Terrível” Inquisição Espanhola


“A Inquisição na Espanha emitiu, entre 1540 e 1700, 44.674 juízos. Os acusados condenados à morte foram apenas 1,8% (804) e, destes, 1,7% (13) foram condenados em “contumácia”, ou seja, pessoas de paradeiro desconhecido ou mortos que em seu lugar se queimavam ou enforcavam bonecos.”


Sobre as famosas “Caças as Bruxas”


“Dos 125.000 processos da sua história [tribunais eclesiásticos], a Inquisição espanhola condenou à morte 59 “bruxas”. Em Itália, 36 e em Portugal 4.”


E a Propaganda de que “Foram Milhões”


Constatou-se que os tribunais religiosos eram mais brandos do que os tribunais civis, tiveram poucas participações nestes casos, o que não aconteceu com os tribunais civis que mataram milhares de pessoas.


Sentenças de um Famoso Inquisidor


“Em 930 sentenças que o Inquisidor Bernardo Guy pronunciou em 15 anos, houve 139 absolvições, 132 penitências canônicas, 152 obrigações de peregrinações, 307 prisões e 42 “entregas ao braço secular” ([citado em] AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. 1 ed. Cleofas. Lorena. 2009, p. 23).


O Simpósio conclui que as penas de morte e os processos em que se usava a tortura, representam números pouco expressivos, ao contrario do se imaginava e foi propagado. Os dados são uma verdadeira demolição e extirpação de muitas ideias falsas e fantasiosas sobre a Inquisição.


Por ultimo o Historiador Agostinho Borromeo conclui:


“Hoje em dia, os historiadores já não utilizam o tema da Inquisição como instrumento para defender ou atacar a Igreja. Diferentemente do que antes sucedia, o debate encaminhou-se para o ambiente histórico com estatísticas sérias.”

E assim encerramos o artigo sobre a Inquisição, tomara que haja uma nova reconstrução “hermenêutica”, é uma necessidade histórica!. Que com uma justa crítica acurada, se superem as ambiguidades historiográficas.


É uma pena que as correntes históricas se pendurem aos teóricos antigos. Os “conceituados” continuam a ser as referencias “fidelíssimas” na prática pedagógica e histórica; seja superior (acadêmica) ou média e fundamental (ensinos públicos), continua a ritualista tradição a-histórica, não transparente sobre os acontecimentos e de tom alienado, incluindo dentre destes, muitos estudiosos, professores, e jornalistas. Há milhões de pessoas que odeiam o que erradamente supõem que seja a História, a Igreja Católica e a Verdade!

 

Fonte - Edward Peters. Inquisition


Henry Kamen. The Spanish Inquisition: A Historical Revision


PERNOUD, Régine. A Idade Média: Que não nos ensinaram. Ed. Agir, SP, 1964.


AQUINO, Felipe. Para entender a Inquisição. 1º ed. Cleofas. Lorena. 2009.


DEVEVIER, W. A Historia da Inquisição, curso de apologética cristã. Melhoramentos, São Paulo, 1925.


L’INQUISIONI. Atas do Simpósio sobre a Inquisição, 1998.

12.281 visualizações5 comentários

Posts recentes

Ver tudo

Apoio

Movavi - Editor de video - Parceiro História Medieval
WHE - Enciclopédia Mundial - Parceiro História Medieval

© História Medieval 2024

Curitiba / Pr

bottom of page