top of page

A CERIMÔNIA DE COROAÇÃO NA IDADE MÉDIA: RITUAIS, SIMBOLISMO E PODER

Foto do escritor: História MedievalHistória Medieval

Coroação de Carlos VI, o Amado, Grandes Crônicas da França iluminadas por Jean Fouquet
Coroação de Carlos VI, o Amado, Grandes Crônicas da França iluminadas por Jean Fouquet

A cerimônia de coroação na Idade Média era um dos eventos mais importantes da vida política e religiosa. Mais do que uma simples formalidade, ela representava a união entre o poder temporal e o espiritual, legitimando a autoridade do monarca perante Deus e seus súditos. Este artigo explora os elementos centrais dessas cerimônias, seus rituais, simbolismos e como elas variavam entre diferentes reinos medievais.


O Contexto Histórico das Coroações Medievais

Na Idade Média, a coroação de um rei ou imperador não era apenas uma celebração política, mas um ato sagrado. A ideia de que o poder real vinha de Deus (conhecida como direito divino dos reis) era central para a legitimidade do monarca. A cerimônia de coroação, portanto, era um ritual religioso que confirmava a escolha divina do governante.


Segundo o historiador Ernst Kantorowicz:


"A coroação medieval era um sacramento real, um ato que transformava um homem comum em um representante de Deus na Terra"

(Kantorowicz, The King's Two Bodies).


Essa visão reflete a profunda conexão entre a Igreja e o Estado na Idade Média.


Os Elementos Centrais da Cerimônia de Coroação


A cerimônia de coroação medieval era composta por vários rituais, cada um com um significado específico. Embora houvesse variações regionais, alguns elementos eram comuns na maioria das coroações.


  • 1. A Unção

A unção era o momento mais sagrado da cerimônia. O monarca era ungido com óleo sagrado, simbolizando a escolha divina e a concessão de graça espiritual. Esse ritual remetia à unção dos reis bíblicos, como Davi e Salomão. O óleo usado era frequentemente consagrado por um bispo ou arcebispo, reforçando a ligação entre a Igreja e o Estado.


  • 2. A Coroação

Após a unção, o monarca recebia a coroa, o símbolo máximo de seu poder. A coroação era realizada por uma figura religiosa de alto escalão, como o Papa (no caso dos imperadores) ou um arcebispo (no caso dos reis). A coroa representava não apenas a autoridade temporal, mas também a responsabilidade do governante de proteger a fé e o povo.


  • 3. A Entrega dos Símbolos de Poder

Além da coroa, o monarca recebia outros objetos simbólicos, como o cetro (símbolo de justiça), a espada (símbolo de proteção) e o orbe (símbolo do domínio sobre o mundo cristão). Esses itens reforçavam as múltiplas funções do rei como legislador, guerreiro e defensor da fé.


  • 4. O Juramento

O monarca fazia um juramento solene, prometendo governar com justiça, proteger a Igreja e defender o reino. Esse juramento era uma parte crucial da cerimônia, pois estabelecia um contrato entre o rei e seus súditos.


  • 5. A Missa e a Comunhão

A cerimônia era concluída com uma missa, na qual o monarca recebia a comunhão. Isso simbolizava sua união com Deus e sua responsabilidade de governar de acordo com os princípios cristãos.


Variações Regionais nas Coroações Medievais


Embora os elementos centrais fossem semelhantes, as cerimônias de coroação variavam entre os diferentes reinos medievais. Aqui estão alguns exemplos:


  • 1. O Sacro Império Romano-Germânico

No Sacro Império Romano-Germânico, a coroação do imperador era um evento grandioso, realizado em Aachen (a capital de Carlos Magno) e, posteriormente, em Roma. O Papa desempenhava um papel central, ungindo e coroando o imperador. Segundo o historiador Geoffrey Barraclough:


"A coroação imperial era uma afirmação da união entre o poder temporal e o espiritual, com o Papa como mediador entre Deus e o imperador"

(Barraclough, The Medieval Papacy).


  • 2. A Inglaterra

Na Inglaterra, a cerimônia de coroação era realizada na Abadia de Westminster, em Londres. O ritual inglês incluía elementos únicos, como a apresentação do monarca ao povo e o uso da Pedra do Destino (ou Pedra de Scone), um símbolo antigo da realeza escocesa.


  • 3. A França

Na França, a coroação era realizada na Catedral de Reims, onde o óleo sagrado (a Santa Ampola) era usado para ungir o rei. Acredita-se que o óleo tenha sido trazido por uma pomba do céu durante o batismo de Clóvis, o primeiro rei cristão dos francos. Segundo o historiador Marc Bloch:


"A coroação francesa era um ritual profundamente simbólico, que ligava o rei ao passado glorioso dos francos"

(Bloch, Les Rois Thaumaturges).


O Simbolismo da Coroação


A cerimônia de coroação medieval era repleta de simbolismo. Cada gesto, objeto e palavra tinha um significado profundo, reforçando a ideia de que o monarca era escolhido por Deus e responsável perante Ele. A coroa, por exemplo, não era apenas um adorno, mas um símbolo do fardo do poder. O juramento do rei era uma promessa solene de governar com justiça e sabedoria.


Segundo o historiador Jacques Le Goff:


"A coroação medieval era um teatro do poder, onde o sagrado e o profano se encontravam para legitimar a autoridade do rei"

(Le Goff, Medieval Civilization).


Conclusão


A cerimônia de coroação na Idade Média era muito mais do que uma simples formalidade. Era um ritual sagrado que legitimava o poder do monarca, unindo o temporal e o espiritual em uma única figura. Através da unção, da coroação e do juramento, o rei era transformado em um representante de Deus na Terra, responsável por governar com justiça e proteger seu povo.


Ao estudar essas cerimônias, podemos entender melhor a mentalidade medieval e a profunda conexão entre religião e política na Idade Média.


 

Referências Bibliográficas


Kantorowicz, Ernst. The King's Two Bodies: A Study in Medieval Political Theology. Princeton University Press, 1957.


Barraclough, Geoffrey. The Medieval Papacy. Thames & Hudson, 1968.


Bloch, Marc. Les Rois Thaumaturges: Étude sur le caractère surnaturel attribué à la puissance royale particulièrement en France et en Angleterre. Armand Colin, 1924.


Le Goff, Jacques. Medieval Civilization: 400–1500. Blackwell, 1988.


Nelson, Janet L. Politics and Ritual in Early Medieval Europe. Hambledon Press, 1986.

Comments


Apoio

Movavi - Editor de video - Parceiro História Medieval
WHE - Enciclopédia Mundial - Parceiro História Medieval

© História Medieval 2025

Curitiba / Pr

bottom of page